O dia que conheci Varda
Em 2017, voltava do Festival de Cannes para Paris de trem. A 70ª edição do evento havia sido especial. Viajei animada para o festival após ter lançado Paterson, de Jim Jarmusch, nos cinemas brasileiros, o que era a realização de um sonho para mim, fã absoluta do trabalho do diretor. Meu desafio daquele ano era adquirir um filme de um diretor que admirasse. Um filme bonito e poético. Dentre os vários títulos exibidos em Cannes, fui tocada por Visages, Villages, documentário da Agnès Varda e JR. Um filme que foi aplaudido por mais de dez minutos e que ganharia o prêmio de Olho de Ouro de melhor documentário. Distribuir uma obra de Varda seria outra grande realização pessoal. A diretora foi uma das artistas que me inspiraram a trabalhar com cinema. Me identifico com quase todos os seus trabalhos, com a mulher que era por trás das câmeras e com as heroínas de seus filmes. Mulheres sensíveis e fortes, personagens que driblam o destino com coragem, que muitas vezes não vencem, mas vivem. Personagens reais idealizadas por uma mulher criando à sua imagem e semelhança. Eis a força de Varda.
Ousada, aos 25 anos, ela dirigiu seu primeiro filme, La Pointe Courte. Uma mulher à frente da câmera e de seu tempo. Construiu uma carreira sólida, ao lado de Truffaut e Godard, esteve à frente da Nouvelle Vague, movimento cinematográfico que mudaria o jeito de fazer cinema no mundo. Suas obras como Cléo de 5 a 7 e Le bonheur figuram na lista dos melhores filmes da história do cinema. Varda viveu 90 anos. Filmou diferentes gerações com olhar atual, jovem, atento às mudanças da sociedade.
Nesta singela homenagem que prestamos no BIFF, selecionamos três filmes da jovem Varda e seu penúltimo, realizado aos 88 anos. Visages, Villages ganhou muitos prêmios e é considerado um dos melhores filmes lançados em 2018. Nele, podemos assistir Varda na frente das câmeras nos ensinando, compartilhando conosco suas últimas reflexões de uma mulher que viveu nove décadas. Uma mulher forte.
E eu tive a chance de conhecer essa força durante minha viagem de trem de Cannes para Paris, no vagão-bar. Estava tomando um café quando a vi, pequenina, segurando a bengala, acompanhada de sua filha. Fui cumprimentá-la. Ela foi simpática, me perguntou o que eu fazia, respondi que era distribuidora de filmes. Ela encerrou a conversa me dizendo “ninguém é perfeito”, ri e disse adeus. Saí emocionada e alguns dias depois finalizei a aquisição de Visages, Villages. Havia sido um prazer conhecer a Varda.
Priscila Miranda
Direção de programação BIFF 2022
Diretora de aquisição Fênix Distribuidora
The day I met Varda
In 2017, I was returning from the Cannes Film Festival to Paris by train. The 70th edition of the event had been special. I traveled excitedly to the festival after having released Paterson, by Jim Jarmusch, in Brazilian cinemas, which was a dream come true for me, an absolute fan of the director’s work. My challenge that year was to acquire a film by a director I admired. A beautiful and poetic film. Among the various titles shown at Cannes, I was touched by Visages, Villages, a documentary by Agnès Varda and JR. A movie that was applauded for more than ten minutes and that would win the Golden Eye award for best documentary. To distribute a work by Varda would be another great personal accomplishment. The director was one of the artists who inspired me to work with cinema. I identify with almost all of her movies, with the woman she was behind the camera and with her heroines – sensitive and strong women, characters who dodge fate with courage, who often don’t win, but live. Real characters conceived by a woman creating in her image and likeness. This is Varda’s strength.
Bold, at 25, she directed her first movie, La Pointe Courte. A woman ahead of the camera and of her own time. She built a solid career, alongside Truffaut and Godard, was at the head of the Nouvelle Vague, a cinematographic movement that would change the way of making movies in the world. Her works such as Cléo de 5 a 7 and Le bonheur appear on the list of the best films in the history of cinema. Varda lived 90 years. She filmed different generations with a refreshed, young view, attentive to changes in society.
In this humble tribute that we pay at BIFF, we selected three films by the young Varda and one of her last ones, directed at the age of 88. Visages, Villages won many awards and is considered one of the best films released in 2018. In it, we can watch Varda in front of the cameras teaching us, sharing with us her latest reflections of a woman who lived nine decades. A strong woman.
And I had the chance to meet this strength during my train journey from Cannes to Paris, in the bar car. I was having a coffee when I saw her, tiny, holding her cane, accompanied by her daughter. I went to greet her. She was nice, asked me what I did, I replied that I was a film distributor. She ended the conversation by telling me “nobody is perfect”, I laughed and said goodbye. Excited, a few days later I did the acquisition of Visages, Villages. It had been a pleasure meeting Varda.
Priscila Miranda
Direção de programação BIFF 2022
Diretora de aquisição Fênix Distribuidora